quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

AS CARTAS DE JOÃO: (2) Discursos teológicos e antropológico.

(continuação)

Cartas de João: Teologia: Discursos sobre Deus

É comum achar que religião tem a ver com Deus e que ela tem de ter um discurso sobre Deus, uma teoria ou um conjunto de proposições sobre Ele. Seria difícil conceber uma religião sem Deus e sem uma Teologia, mas de fato há religiões sem Deus, como o budismo e o confucionismo. Talvez devemos dizer que ao menos as religiões monoteístas clássicas, judaísmo, cristianismo e islamismo devem necessariamente falar sobre Deus. Não tenho certeza. Acho plausível a idéia de que a cultura da época em que nasceu, por exemplo, o cristianismo, era bastante religiosa, e, por isso, quem sabe, há tantos aspectos religiosos nele, mas pode-se sustentar que a religião ou religiosidade não é a essência do cristianismo. Qual seria é difícil também de dizer. Talvez a ética, talvez uma filosofia ou metafísica prática, já que, como vimos no tópico anterior, a essência da mensagem cristã não está exatamente na religiosidade ou na metafísica, mas na prática do amor fraterno. Deixemos porém de lado tal discussão e aceitemos que há, ao menos nas cartas de João, um discurso, ou alguns discursos sobre Deus. E vejamos quais são. Há ao menos dois: o discurso sobre o Deus que é o Pai de Jesus Cristo e também da humanidade; o discurso sobre Jesus como o Messias de Deus, o enviado, o salvador da humanidade, ou seja, como Filho de Deus.
“Porque a Vida se manifestou, nós a vimos, dela damos testemunho, e lhes anunciamos a Vida Eterna. Ela estava voltada para o Pai, e se manifestou a nós. (...) E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo”. (1 Jo 1, 2-3)

Discurso sobre Deus Pai

Deus é luz e nele não há trevas” (1Jo 1, 5). Deus é Pai de Jesus Cristo, e nos dá a Vida e a Vida Eterna (= vida em plenitude) através Dele, o que significa que Ele é Pai de todos nós. Deus é juiz: isso não está escrito, mas podemos deduzir, já que Jesus é reconhecido como o advogado intercede diante do Pai, pelo perdão (1Jo 2,1-2). Deus é amor: Ele nos amou primeiro, seja nos chamando à Vida, seja nos chamando à vida plena (enviando seu Filho para que tenhamos a vida – 1Jo 4, 10). Deus é redentor: envia seu Filho para salvar o mundo (= as pessoas: do pecado, do Maligno, do mundo), e salvar do mundo (“Tudo o que há no mundo – os apetites baixos, os olhos insaciáveis, a arrogância do dinheiro – são coisas que não vem do Pai” – 1Jo 2, 16). Deus é doador da Vida (= Criador¿). Deus é quem dá a graça, a misericórdia e a paz (2 Jo, 3). Deus quer a Vida através da comunhão conosco; Deus quer a comunhão conosco, através da Vida que nos dá. (“O mundo passa com seus desejos insaciáveis. Mas quem faz a vontade de Deus permanece para sempre” – 1Jo 2, 17). Em suma, Deus é caracteriza como: Criador, Luz, Pai, Juiz, Redentor, temas clássicos no pensamento teológico judeu-cristão, e, ao menos, explicitamente, como Criador, e implicitamente, como uma Pessoa, temas clássicos do pensamento filosófico clássico antigo e medieval (e em menor magnitude, moderno e contemporâneo também).

Discurso sobre Jesus Cristo, o Deus Filho.

Jesus é a Palavra, Palavra que é Vida, e manifesta a nós a si e a Vida (prólogo). Jesus é O justo, que é o nosso advogado junto ao Pai, nosso e do mundo inteiro. (1Jo 2, 1-2). Quem pratica a justiça nasce de Deus e Jesus é justo (logo, nasceu de Deus – 1Jo 2, 29). O nome de Jesus perdoa os pecados: Jesus é o que perdoa. A ação de Jesus, de doar a vida, ensina a vontade de Deus: “compreendemos o que é o amor porque Jesus deu sua vida por nós” (1Jo 3,16). Jesus é o Messias (o Cristo – 1 Jo 2, 22; Jesus é o encarnado (1Jo 4, 2). Jesus é o unge: 1 Jo 2, 27. Em geral, na Bílbia, a unção tem a ver com a força para a luta. Aqui se fala em substituição d professores e mestres: com a unção de Jesus, já não se tem necessidade de alguém que ensine (idem). Mas Jesus é também o mestre ou o professor que ensina (ensina qual é a vontade de Deus). Jesus é o doador da própria vida, aquele que entrega a vida, que é o máximo que alguém possui. (1Jo 4, 8; 5, 8) Jesus é o Filho de Deus: “Quando alguém confessa que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece com ele, e ele com Deus” (1Jo 4, 15; cf. também 1Jo 5, 5). Jesus é o Salvador do mundo. Com Ele se pode vencer o mundo (1Jo 5 4-5), obter a remissão – a libertação - dos pecados (e de seus efeitos, que desde o Gênesis, parecem ter ligação com a morte), obter a Vida eterna (que no texto parece mais vida plena do que exatamente vida após a morte): quem tem o Filho tem a Vida (1Jo 5, 12). Esses são os principais títulos de Jesus na primeira Carta: Filho de Deus, Salvador do mundo, Messias (Cristo), Palavra, Vida, Mestre, Justo, Advogado, o que Perdoa, o que unge, o que doa a vida. Na segunda carta Jesus é a Verdade. (2 Jo 1). Jesus é a razão da existência de cristãos e comunidades cristãs, para quem é dirigida a carta: Ele foi o evento principal, o acontecimento do tempo de vida daquelas pessoas mais convictas de sua importância. O impacto de sua vida, mensagem e prática foi tal que Ele foi identificado como Filho de Deus, o que, para nós, é o equivalente a Deus. Daí que nas cartas, o discurso sobre Jesus é um discurso sobre Deus mesmo, ou sobre o homem que de tão humano, passou a ser reconhecido como divino.

4 comentários:

  1. Vou aproveitar que o texto está dividido, e tecer alguns comentários também de forma fragmentária. Gostaria de dizer onde divergimos> primeiro: "pode-se sustentar que a religião ou religiosidade não é a essência do cristianismo". Religião como é cediço é uma re-ligação ao Criador, "re" porque se traduz em um reencontro do homem com o seu Senhor, então sendo o cristianismo uma promessa de paz e esperança para os aflitos, e estas vem de Deus, creio equivocar-se aqui; pois além do amigo, desconheço outra pessoa que seja cristão, sem dimensão do relacionamento pessoal com Deus, o que me faz pensar que, sim, o cristianismo tem como essência a religiosidade. Segundo, "a essência da mensagem cristã não está exatamente na religiosidade ou na metafísica, mas na prática do amor fraterno."Para gregos e troianos, o centro do cristianismo é Cristo ressuscitado. Nas palavra daquele que para mim é o maior expoente da fé cristã (São Paulo): Se Cristo não ressuscitou dentre os mortos, a nossa fé é vã. E porque haveríamos de abrir mão de nossas próprias vidas... o ser humano não ama seu inimigo por instinto, como faria isto, senão através de uma convicção íntima forte, que será salvo do sheol, que irá encontrar-se com aquele que é o centro da sua fé? Porque meu caro o cristianismo não exige somente que amemos aquele que nos ama, mas também aquele que nos odeia. Desculpe não consigo ser sucinto. Tharles dos Santos.

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  2. Valeu Tharles. Muitos discordam de mim quando digo que talvez o cristianismo não seja uma religião mas uma ética, ou, uma filosofia de vida (que até inclui a religiosidade, mas não só, e não essencialmente). "Permanecem a fé, a esperança e o amor, mas o maior é o amor". (Paulo) "Religião pura diante de Deus é socorrer o órfão e a viúva" (Tiago). Mas eu não tenho mais problema em assumir a religião cristã e a igreja católica, de modo que acho que o assunto é secundário.

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  3. Ah, discordo totalmente de amar o inimigo para fugir do "sheol"... isso retiraria todo o mérito da ação, que perderia sua marca cristã: amar a todos, incluindo o inimigo, porque assim cristo nos ensinou a fazer, a viver; porque isso é bom. E pronto, sem pensar em recompensas...

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  4. Concordo, não devemos amar o outro pensando numa recompensa. Contudo quando iniciamos a caminhada, amamos (aqui, tenho o amor como uma ação em benefício de outrem) porque recebemos o mandamento. Não se é um Cristo da noite para o dia. João Paulo Sartre já dizia "o meu inferno é o outro", como esperar uma atitude humana em prol do inimigo de forma natural. Tenho como convicção que só chegamos a desejar verdadeiramente o melhor para o inimigo, por uma força divina, que na minha opinião é o Espírito Santo.

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