quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A natureza do problema. (Breve Curso de Ética, aula 2)

Esta é a segunda postagem do breve curso de ética, mais precisamente de metaética, baseada no livro de Shafer-Landau (2004). Na verdade, em sua maior parte, é um resumo do livro.

Breve Introdução (ii)

O livro se divide em 3 partes:

(I) O estatuto da Moralidade, que trata (1) da natureza do problema (a natureza metaética ou epistemológica do tema principal do livro: posições contra a existência da verdade moral - que o autor denomina de Ceticismo Moral, e que se dividem em 3, Nihilismo, Subjetivismo e Relativismo; e a posição a favor, que ele denomina de Objetivismo Ético), e (2) do terremo filosófico em que tal problema é tratado. (mais abaixo, veja o resumo do capítulo 1).

(II) Contra o Ceticismo Moral, que trata (3) do erro moral (podemos errar em nossas opiniões morais?), (4) da equivalência moral entre posições discrepantes entre si (será que todas as proposições morais se equivalem), (5) do progresso e da comparação morais (podemos comparar as proposições morais do passado com as do presente e detectar progresso - ou regresso - moral?), (6) do dogmatismo, (7) da tolerância, e (8) da arbitrariedade, (9) da contradição e do desacordo, (10) do relativismo e da contradição, e (11) da auto-refutação do ceticismo moral.

(III) Em Defesa da Objetividade Moral: em que o autor tenta nos convencer que o Objetivismo resolve os problemas que afetam o Ceticismo Moral (12), que o Objetivismo implica num tipo especial de universalidade que não o tipo criticado pelos céticos, e que ele, o Objetivismo, é  indiferente à verdade ou falsidade do absolutismo ético (13), que o desacordo moral não é tão importante quanto parece à primeira vista (14), que a objetividade da moral não depende da existência de Deus (15), que os padrões morais não precisam ser criados por alguém, nem por nós, nem por Deus, nem por ninguém (16), que é possível conciliar valores morais e ciência (17). Ele também tenta responder a 5 críticas céticas que se referem à possibilidade de haver conhecimento moral objetivo, quatro delas no cap. 18, e uma em especial - chamada de argumento da regressão infinita - no cap. 19, e termina discutindo a famosa questão de por que haveremos de ser pessoas decentes (por que sermos morais).

Depois da conclusão, encontramos no livro uma sinopse dos principais argumentos analisados e suas principais fraquezas, um glossário com os conceitos fundamentais, e um índice analítico. A sinopse é muito útil para aulas e seminários.

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1 - Você pensa que os padrões morais são objetivos ou subjetivos? Se são subjetivos, é porque são individualmente relativos (cada um tem sua opinião sobre o que é certo e errado) ou culturalmente relativos (cada sociedade tem sua opinião moral)? Se são objetivos, é porque foram criados por Deus e por Ele são certificados, ou há outro modo de se pensar numa norma moral verdadeira ou objetiva?

 2 - Você admira a diversidade, preza a tolerância e não gosta de pessoas que acham que são donas da verdade, certo? Será que então você ficará mais à vontade se estiver do lado dos que dizem que a moral é subjetiva ou do lado os que dizem que a moral é objetiva? Por que exatamente?

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Parte I: O status da moralidade

1 – A natureza do problema


Para o ceticismo ético [Shafer-Landau usa moral no lugar de ético, mas não entendi até hoje porque exatamente, principalmente porque para o Objetivismo ela usa o adjetivo "ético": ou usamos "moral" para as duas abordagens, ou usamos "ético"; e, por causa destes dois primeiros capítulo, prefiro adotar o segundo termo] a bondade está nos olhos de quem vê. Por isso, ou não há verdade moral alguma (nihilismo), ou ela existe, mas para alguém (Subjetivismo)ou quem sabe, para uma sociedade (Relativismo). 
Para o objetivismo ético, algumas ações são erradas e ponto, não há que qualificar como boas para alguém ou para uma sociedade.  O Objetivismo ético parece meio fora de moda e um tanto retrógrado. 

Isso se dá porque: (1) perdemos a fé em figuras de autoridade moral, sejam religiosas, sejam seculares [quem já foi petista de carteirinha antes do PT chegar ao poder, sabe o que é isso, não?]; (2) fomos e somos mais expostos a outras culturas, diferentes da nossa; (3) não aprovamos o fanatismo religioso-moral, cuja certeza levou à morte de milhares de vidas; (4) temos aparentemente razões filosóficas para isso: se houvesse o bem e o mal, por que haveria desacordo moral e o desacordo sobre o método pra alcançar o conhecimento do certo e do errado? Se houvesse padrões objetivos do certo e errado, por que não permitiríamos a intolerância e o dogmatismo? Este seria, porém, um preço alto demais, e seria melhor abandonar o Objetivismo. 

Além disso, não implicaria o Objetivismo a existência de Deus? Como porém não temos evidências nem razões suficientes (basta ver o sofrimento existente no mundo, ou constatar a não verificabilidade dessa existência) para crer em Deus, então não deve haver moral objetiva. 

Nós fazemos juízos morais, quase o tempo todo, ao menos contra certos atos muito nocivos. Mas adotamos o ceticismo ético como nossa interpretação filosófica predileta. [vocês, eu não]. Seremos esquizofrênicos éticos? Não se trata de apontar para as soluções morais de problemas práticos, mas para o problema ético (ou seja, filosófico) de que tais soluções podem ser incompatíveis entre si e não podem ser ambas verdadeiras ou corretas, quando se contradizem.  E sendo assim, é o Objetivismo, e não o Ceticismo Moral que deveria ser nossa interpretação.

Podemos relacionar Objetivismo com Dogmatismo (se há verdade, quem estiver errado tem de ceder), mas também podemos relacionar Ceticismo com Dogmatismo (se tudo é relativo, a intolerância estará sempre certa para quem assim pensar). Também podemos relacionar Tolerância com Ceticismo (se tudo é relativo, todas as visões morais são iguais, merecem um lugar ao sol), e Tolerância com Objetivismo (se há verdade moral, não podemos defender qualquer coisa e estar sempre certos; a tolerância pode ser uma das verdades morais objetivas que vale independentemente do aval das pessoas).

                    
           "Quem abraça a possibilidade de uma moralidade objetivamente verdadeira está                                                                
            errado em supor que ela lhe dá licença para dominar e matar quem discorda. E 
            aqueles que valorizam a tolerância estão equivocados quando buscam apoio no
            relativismo moral e em doutrinas associadas a ele". (p. 6)

Uma vez que pensemos com clareza e cuidado, veremos os pontos fracos do Ceticismo Moral. Veremos que faz sentido pensar que algumas coisas são boas e outras más e ponto, sem qualificações relativistas. E que faz sentido dizer que a moral não é um produto humano, que o certo e o errado nunca estiveram ausentes, nós é que achávamos isso, equivocadamente.



2 – O Terreno da Filosofia [Jairo diria O Terreiro Filosófico]

Ao invés de tratar de moral, trataremos de epistemologia da moral, ou, de metaética, pois o tema principal versa sobre alguns aspectos importantes de teorias que incorporam uma interpretação da verdade moral. Ora, refletir sobre a interpretações da (possível) verdade moral é um trabalho filosófico.

O Ceticismo ético pode ser dividido em 3 espécies: nihilismo, subjetvismo e relativismo.
            
   "Nihilistas acreditam que não existem verdades morais. Subjetivistas 
    acreditam que a verdade moral é criada por cada indivíduo. Relativistas 
    acreditam que a verdade moral é uma construção social. Estas três 
    teorias partilham a visão de que, em ética, nós é que fazemos tudo. 
    Antes de nossas decisões sobre questões morais, nada é bom ou mal. 
    Ou a moralidade é uma ficção, e nada é certo ou errado, ou as verdades 
    morais dependem exclusivamente de que dizemos (individual ou 
    coletivamente). (p. 11)
                

Nihilismo Moral (proposições morais querem descrever o que é objetivamente certo ou verdadeiro, mas nunca conseguem atingir esse objetivo por que prescrições ou normas morais nunca podem ser certas ou verdadeiras, são sempre um engano, ou, são sempre falsas). 

(Se lemos os outros livros de Shafer-Landau, encontramos que a famosa teoria do erro de Mackie é um exemplo deste nihilismo (o certo é acreditado como existindo objetivamente, mas é na verdade uma ilusão, não nada na moral que não seja subjetivo, e nossa visão comum sobre o certo e errado soa algo estranho, depois do escrutínio filosófico).  Estranhamente, teorias chamadas de não-cognitivistas também são, para ele, nihilistas. Exemplos desta visão são o imperativismo [de Carnap], o emotivismo [de Stevenoson], o prescritivsmo [de Hare] e o expressivismo [de Blackburn ou de Gibbard]. Ele pense isso porque entende que nessas abordagens todas, o certo e o errado são meras expressões de emoções e compromissos práticos humanos, sem contato com o argumento lógico e sem aspirações à verdade). 

Subjetivismo Moral (proposições morais podem ser certas ou erradas e o que é certo depende do que eu acho - ou você acha - que seja certo); 

Relativismo moral (proposições morais podem ser certas ou erradas e que é certo depende do que a minha sociedade - ou a sua - acha que é certo).

Um dos problemas com essas visões é que elas tornam os compromissos morais últimos infalíveis, sejam eles individuais sejam culturais.

Objetivismo ético, em oposição ao ceticismo, sustenta que há proposições morais objetivas e que os padrões do certo e errado não são meras construções humanas. Mesmo os compromissos morais mais fortes dos indivíduos ou das sociedades podem estar errados, como ocorre na ciência e na matemática, onde nós não temos verdades porque achamos que são verdade, mas antes, nós achamos que são verdades porque são realmente verdades

Agora o ponto central: Objetivistas estariam melhor equipados para resistir ao dogmatismo e à intolerância, e é bem sustentado por nossas crenças em geral. Já o ceticismo, que é uma boa estória, mas tem muitos flancos e implicações muito ruins, e deveria ser abandonado. 

[Há porém vários tipos diferentes de teorias objetivistas: naturalistas, intuicionistas, mentalistas, universalistas, quase-realistas, normo-expressivistas. Shafer-Landau mesmo é um tipo de intuicionista, e, como vimos, os três últimos desta lista não são para ele objetivistas mas nihilistas].

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1 - Explique uma das razões para gostarmos mais do ceticismo do que do objetivismo, segundo o autor. Você visualiza alguma outra razão? Explique-a.

2 - O que você entendeu por esquizofrenia ética? Você pode dizer dois princípios morais que você pratica?

3 - Agora, depois de dizer isso, você pode dizer e explicar em que sentido eles poderiam ser objetivamente verdadeiros? Você pode explicar em que sentido eles não são verdadeiros, se é que não são?

4 - Acrescente depois de proposições morais o seguinte: "tais como a que diz que relações homessexais são erradas"tais. Viu como fica? Agora acrescente "tais como a que que diz que a escravidão é errada" E agora, o que achou da performance das duas grandes teorias, cética e objetivista?

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