sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Mini Aula 3 - Breve Curso de Ética - O que aconteceu afinal com o certo e o errado?


Parte II: Contra o ceticismo ético

3. Erro Moral.

Muitas vezes confundimos a moralidade convencional, que tem afinidades com o direito (conjunto de leis de um certo país), com a moralidade objetiva (os padrões morais do certo e do errado), porém, faz todo sentido pensarmos que a moralidade convencional pode se enganar porque as visões morais dos indivíduos e sociedades podem estar erradas. Suponha o caso da escravidão ou da discriminação das mulheres.
Há ao menos duas interpretações para o erro ao endossar coisas tão feias, digo, tão ruins: a teoria do erro (Mackie), para quem toda visão moral está sempre errada, apesar de ter a intenção de representar o que seria certo objetivamente, e a teoria objetivista (do Shafer-Landau mesmo, por exemplo), para quem há um padrão ou normas do que é certo e errado que é independente das crenças vigentes, e que serve, por isso mesmo, para julgarmos o nosso possível erro, ou o possível erro de quem quer que seja.


"De acordo com a teoria do erro, cada elemento da moralidade convencional está equivocado. Assim,      
as visões básicas do escravocrata e do misógino são FALSAS (são todas equivocadas, porque não    
existe esse "trem" do certo e do errado - eu moro em Minas, tenho de usar "trem" para algumas coisas, 
como o mineiro que diz à esposa na estação de trem - sem aspas - "mulher, arruma os trem que a 
coisa tá chegando" - tudo aqui nesses parênteses veio de mim e não do Shafer-Landau). Muito bom!    
Mas do mesmo modo são as visões morais do santo, do que defende a liberdade e do benfeitor 
anônimo. Ih, nada bom!"

Dá para entender qual o problema de um meio termo, que diga que há um padrão do certo e do errado que realmente funciona ou é adequado, reecusando então a teoria do erro: no subjetivismo, a escravidão até pode ser errada, mas para isso a pessoa que julga tem de aceitar isso, se ela acha diferente, ela deixa de ser errada. O mesmo com o relativismo social: as posições morais não são todas equivocadas, como diz a teoria do erro, mas para que o certo ou o errado exista, as sociedades tem de produzir normas sociais e uma delas é a proibição da escravidão. Aqui o problema: os escravocratas em sua imensa maioria para não dizer todos, serão indivíduos ou formarão uma sociedade em que a escravidão é um bem e não um mau, certa e não errada, mas é um tanto óbvio que se há algo que seja ruim e errado moralmente, ao menos para nossa consciência e cultura atual, é a escravidão de outros seres humanos. Deve haver algo de errado com estas teorias todas, e Shafer-Landau sugere que o erro é descartarem rapidamente a interpretação objetivista. 

"Quando nós reivindicamos, por exemplo, que aqueles que rebaixam as mulheres a cidadãs de segunda 
classe estão agindo erradamente, não queremos dizer que aqueles que favorecem a igualdade também 
estão agindo mal. Pelo contrário. Nossas suposição básica é que equívocos morais podem e devem 
ser corrigidos". (p. 16)

Vejam os dois tipos de críticas que uma moralidade convencional (pense na regra "os meninos podem fazer xixi em pé e não precisam dar descarga logo após o fazerem, mas não as meninas, que devem dar a descarga quando chegam ao banheiro, fazer xixi sentadas, e dar a descarga depois de se levantar") está sujeita:
A crítica interna, que se baseia nos fundamentos da moral convencional em questão (pode-se criticar os meninos que fazem xixi fora do vaso, sujando tudo, pois eles poderiam "acertar" o lado interno e não deixar nem um pingo no vaso e no chão), e a externa, que questiona também as suposições fundamentais de uma cultura (pode-se criticar o costume todo e exigir igualdade para as mulheres, ou igualdade com as mulheres: todos precisam "acertar" o alvo e dar a descarga depois, porque todos são iguais - esse exemplo estrnaho é meu, não do Shafer-Landau). 
Shafer-Landau sugere que só o Objetivismo pode interpretar adequadamente a crítica externa e dar-lhe o devido suporte, mas não o Ceticismo.
Por que? Porque se rejeitamos o Objetivismo, então nossas visões morais estarão sempre certas, sejam quais foram. Se a moralidade convencional é tudo que há, então um nazista consistente (como aquele que aceita tranquilamente ir para a câmara de gás quando descobre que sua família de fato é judia - você já encontrou um assim?) ou um terrorista racional (que aceita que sua causa seja destruída se lhe provam que ela está contra os objetivos dela mesma - você também encontra muito desta espécie por aí?) serão virtuosos, sem falha moral. O Subjetivismo e o Relativismo Social, que vêem a moral como empreendimento puramente convencional, acarretam um tipo de INFABILIDADE MORAL dos indivíduos ou sociedades. Mas isso é bastante arrogante, sem suporte lógico suficiente, e moralmente problemático. O Objetivista tem uma outra estória para contar:

 "O outro diagnóstico do erro moral fundamental é dado pelo objetivista ético. Se mesmo as mais 
 profundas convicções de indivíduos dos indivíduos ou das sociedades podem estar erradas, então, 
 tanto quanto exista qualquer verdade moral, deve existir algum padrão, que seja independente destas 
 convicções, e que existem para desafiá-las como erros." (p. 16)

Fontes:

SHAFER-LANDAU, Russ. Whatever Happened to Good and Evil? Oxford, Oxford University Press, 2004.
Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Paulus, 2002.
        
* * * * * *
1 - Explique as quatro interpretações do erro moral de apoiar a escravidão ou a discriminação das mulheres.
2 - Você vê algum jeito de defender a teoria do erro, o subjetivismo e o relativismo? Como seria?
3 - Você vê algum modo de rejeitar o objetivismo?
4 - Aplique as respostas 2 e 3 aos exemplos dados no texto.
5 - Por que será que o apóstolo Paulo escreveu na Bíblia: "Escravos, sejam submissos aos seus senhores", e "mulheres, sejam submissas a seus maridos"? Ele apoiava a escravidão e a discriminação das mulheres? (Ele também escreveu que no mundo novo do reino de deus, "não há mais escravo nem livre, homem nem mulher", escreveu uma carta pedindo a um senhor que recebesse bem a seu escravo fugitivo, e "não como escravo, mas como um irmão", e foi perseguido pelas autoridades de sua sociedade por lutar contra a discriminação dos "pagãos" - "não há mais gentio ou judeu").



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