sábado, 22 de setembro de 2012

Aula de 25 de setembro - Ética 1 - Breve Curso de Metaética

O que afinal aconteceu com o certo e o errado?

Vimos na aula passada o estatuto de moralidade e o terreno especificamente filosófico da ética, além dos problemas do possível erro moral e da equivalência moral. Veremos nesta aula, na primeira parte (A): aspectos sobre progresso, dogmatismo, tolerância e arbitrariedade. A hipótese de Shafer-Landau é a mesma da aula passada: apesar de seu charme, o ceticismo moral (niilismo, subjetivismo ou relativismo) não pode defender a tolerância e o anti-dogmatismo como geralmente se supõe, e a razão principal, nesta aula, é que ele não permite o progresso moral e permite a arbitrariedade.

Na segunda parte (B): uma recapitulação das teses de Hare sobre racionalidade descritiva e não-descritiva, e, como exemplo da primeira, a abordagem intuicionista. A hipótese de Hare é a mesma do curso que estudamos em março a maio: a racionalidade ética descritiva, apesar de ser a primeira qu em geral se pensa para fundar objetivamente a moral, não consegue se salvar do relativismo; para isso precisamos da segunda (racionalidade não descrivita), mas ela em geral não é compreendida e tem fama de ser ela a abordagem relativista, o que Hare chama de equívoco.

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PARTE A
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5. Progresso Moral, Comparação Moral.

Ocorre progresso quando indivíduos ou sociedades vem a ser melhores moralmente. Por exemplo, quando criminosos se recuperam, ou quando a escravidão é abolida. Pode haver também regressão moral, quando indivíduos endurecem seus corações e se tornam mais violentos e exploradores dos outros.

[Um exemplo de progresso moral é a consciência de que os casais gays tem os mesmos direitos, e a prática de garantir-lhes igualdade jurídica, casamento civil e adoção de crianças, como o Brasil tem recentemente garantido a eles, através de várias decisões da Suprema Corte, baseadas as decisões na Constituição, que fala de igualdade, não-discriminação e dignidade da pessoa humana. Você concorda? Mas um exemplo de regressão moral é o que ocorre nos Estados Unidos, quando o dono de uma rede de lanches manifesta repulsa pela igualdade para os gays e sofre então, no dia seguinte, a crítica severa de grupos defensores da igualdade: mas o que ocorre então? Filas imensas para comprar lanches na rede do cara, aumentando enormemente os lucros deste, por parte de pessoas que se identificaram com a opinião discriminatória, majoritária naquele lugar. Regressão moral!]

"As sociedades são capazes de progresso moral. A maioria das sociedades que costumava tolerar a escravidão não o faze mais. Muitas sociedades que já proibiram as meninas de estudar agora lhes dão educação como aos meninos. Nós hoje frequentemente tratamos as pessoas com deficiências mentais e necessidades especiais muito melhor do que já fizemos no passado. Certamente em tudo isso ainda há muita imperfeição, mas comparado com onde estávamos cem anos atrás, estamos meio aos trancos e barrancos um pouco à frente do que estávamos". (p. 22)

Mas para dar sustentação a essa interpretação, parece que temos de pressupor um padrão de avaliação para a comparação do período A com o período B, um que seja independente do padrão vigente ou do padrão passado, sejam eles preferidos individualmente ou consentidos socialmente, não importa, tem de ser um tipo de padrão objetivo.

Mas se isso é verdade, o ceticismo ético, em sua concepção de equivalência moral, não pode integrar esta noção popular ou comum de progresso ou regresso moral: o ceticismo implica que nunca há um padrão objetivo, e a equivalência impedira a comparação, logo, a avaliação comparativa.

Porém, pode haver uma concepção cética de progresso, ainda que de tipo mais restrito: seja pelo abandono de crenças falsas (que podem ser todas as crenças morais, se somos teóricos do erro ou niilistas), seja pelo alcance ou não dos objetivos almejados pelas pessoas individualmente, se somos subjetivistas, ou das culturas, se somos relativistas sociais, seja pela maior coerência entre as crenças vigentes. 

O problema é que a primeira interpretação, niilistas, pressupõe o que deveria demonstrar, ao supor que não há nenhuma verdade moral objetiva, e as outras duas interpretações são bem restritas pois não colocam em questão os próprios costumes e concepções fundamentais das pessoas ou culturas: pode ser que os objetivos centrais sejam eles próprios imorais.

Niilistas são como ateístas, se deus - ou a moral objetiva - não existem, então não é possível nem estar mais próximo deles (de deus ou da verdade moral), e então, nem progredir moralmente no sentido apropriado, ou regredir.

Subjetivistas e Relativistas enfrentam problemas parecidos: o passado é julgado pior ou melhor do que o presente, sempre com um deles decidindo isso, ou pela preferência individual, ou pela vigência social ou acordo social, o que é injusto, pois um dos competidores julga o outro, enquanto o precisaria haver, para progresso ou regresso moral, seria um juiz imparcial.

Um juiz imparcial seria um padrão independente das preferências, individuais ou culturais, e isso é exatamente o que a interpretação objetivista propicia.



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1 - Como a concepção sobre o erro moral se relaciona com os problemas da equivalência moral e do dogmatismo, segundo Shafer-Landau? 
2 - Como poderíamos defender a posição cética e atacar a posição objetivista mantendo tudo o mais como está, nos exemplos e supostas implicações de cada concepção, segundo o autor?
3 - Explique a concepção de erro e de progresso moral para o subjetivista e para o relativista social.



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6. Dogmatismo

Shafer-Landau tem certeza que não é o objetivismo ético, mas sim o ceticismo, que é a concepção que permite o maior espaço para o dogmatismo e a intolerância. 

Normalmente objetivistas são arrogantes (talvez eu, por exemplo). E céticos são gente fina, muito tolerantes (o Zé Maria, por exemplo). 

Mas, pensando bem, nos sugere Shafer-Landa, há ao menos dois problemas neste cenário: o objetivismo ético não autoriza por si só, a arrogância (os matemáticos acreditam em verdades matemáticas, e isso não autoriza serem arrogantes e intolerantes; eles em geral também são gente fina). 

Como na ciência, o objetivismo assume que na ética tentamos registrar os contornos de uma realidade maior, que é independente de nossas opiniões subjetivas ou de nossos costumes culturais, uma realidade moral. 

É a realidade o que gera a sensação de maravilha, mistério e enormidade da tarefa de pensar e conhecer o mundo.

O Niilista já sabe de antemão que nada é certo ou errado moralmente, seja o que for que seja defendido. Com isso, qualquer proposta dogmática está de antemão rejeitada. Ótimo! Mas qualquer proposta em favor da tolerância, da liberdade, da auto limitação também estarão de antemão rejeitados. Nada bom... O erro do dogmatismo não é um erro moral, porque não existe tal coisa, o acerto da mentalidade aberta e tolerante não é acerto moral, porque não existe tal coisa.

Os Subjetivistas sustentam que cada indivíduo é a medida da verdade moral, logo, há pouco espaço para erro (talvez quando um desejo conflita com outro, ou quando há crenças falsas). Se nós aprovamos individualmente uma ação, nós nunca estaremos errados.

Os Relativistas Sociais permitem um pouco mais mais de espaço para o erro, pois agora, não só existe o certo e o errado, mas ele não depende de cada indivíduo, que pode não captar ou praticar o que a sua sociedade realmente pensa acerca do que é certo e errado. Mas se ele estiver bem antenado com sua sociedade, haverá também pouco espaço para o erro, e a autoconfiança e dogmatismo dependerão então desta sintonia. (A sociedade decide? Hum, nada bom, ainda que eu sempre encontre chineses que não veem nada de mau nisso, e o Zé Maria vive me dizendo que o individualismo liberal é coisa da sociedade burguesa em que vivo.)

Mas vejam: Os objetivistas, como eu e o Shafer-Landau, são os que dão o maior espaço para a possibilidade de erro, pois não é nem o indivíduo nem a sociedade que definem ou estabelecem a moralidade, a verdade não é construção humana, e por isso, será mais difícil de descobrir ou discernir. Haverá menos autoconfiança e menos dogmatismo nesta concepção, se bem compreendida, do que nas céticas.

"Não há melhor antídoto contra nossa arrogância e soberba que o reconhecimento de que nós não somos os autores da lei moral". (p. 29).

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1 - Em que sentido há menor chance de erro nas posições niilista, subjetivista e relativismo do que na objetivista?
2 - Em que sentido há maior chance de acerto?
3 - Dá para pensar o oposto? Com que argumento e exemplo?

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Cap. 7 – Tolerância

A maioria dos estudantes do ensino superior pensam que a posição padrão na filosofia moral de hoje é o ceticismo ético, mas não pensa assim por causa de um argumento sólido, mas em grande parte porque é estranho pensar que juízos morais poderiam ser objetivos.

Mas entre os argumentos endossados, está é o argumento a partir da tolerância.

Uma primeira versão porém parte do próprio ceticismo (1): Se o ceticismo é verdadeiro então devemos ser tolerantes com todas as visões morais; ora, o ceticismo é verdadeiro; logo, devemos ser tolerantes com todas as visões morais.

 



Porém, (i) este argumento assume como verdadeiro algo que precisaria ser demonstrado, que o o ceticismo ético é verdadeiro. Assim, ele não é um argumento em prol do ceticismo, mas a partir dele, e não mostra por exemplo, que o ceticismo é o único candidato compatível com a tolerância. (Imagine substituir ceticismo por objetivismo, o argumento também funciona, ao menos se entre os juízos que não dependem da nossa opinião ou do consenso social, estiver um que diga que devemos ser tolerantes).


(2) Uma outra versão, mais forte, do argumento é: quem adota a tolerância deve ser eticamente cético; nós devemos adotar a tolerância; logo, devemos ser céticos. Uma variação: Se o objetivismo fosse verdadeiro, algumas visões seriam inferiores a outras e estaria ok tratá-las assim; isso contraria a tolerância; logo, o objetivismo não adota nem defende a tolerância.


Tudo isso porém é um equívoco, pois não se pode concluir, da ideia de que algumas visões são moralmente ruins ou inferiores, que está tudo bem em tratá-las como inferiores (isso é um non sequitur!). Por que? Porque confundem-se aqui duas perguntas diferentes. A primeira, uma visão moral de alguém ou de uma sociedade é correta (ou justa, ou adequada, ou boa)? A segunda, se ela não o é for, o que devemos fazer a respeito? (Defender que a mutilação de meninas é errada não implica endossar o envio dos marines americanos para que invadam os países em que isso está ocorrendo!)

O objetivismo ético está comprometido apenas com a tese de que o certo e o errado não dependem exclusivamente de nossos gostos individuais ou de nossas tradições sociais e arranjos sociais.

Mas com isso, os objetivistas podem embasar muito fortemente a tolerância, por exemplo, como um valor objetivo independente.

Mas há mais coisa: o ceticismo ético é incompatível com a tolerância, se bem compreendido: p. 32 # 1: Se o ceticismo está certo, então nenhuma recomendação moral é verdadeira (nihilismo), ou independente dos gostos individuais (subjetivismo) ou coletivos (relativismo); logo, a recomendação de tolerar ou é uma ficção (N), ou é uma das opiniões contingentes nossas ou de nossas sociedades. Mas isso não será uma boa notícia para quem realmente valoriza a tolerância, por exemplo, luta por ela em lugares onde ela não existe.

Se toda recomendação é falsa (teoria do erro), aquela que diz para tolerar também é falsa, e está ao par com a recomendação de ser intolerante; se o certo e o errado estão nos olhos de quem vê, quem vê a intolerância como certa não estará fazendo nada de errado, ao contrário, estará inclusive fazendo seu dever; e se adotamos o relativismo social, a tolerância só será valiosa nas sociedades que a tornaram um valor fundamental, mas não naquelas que reprimem, perseguem, queimam livros de opositores (e opositores). Numa sociedade intolerante, você deve ser intolerante para cumprir seu dever, caso o relativismo seja verdadeiro.


Os céticos em geral consideram a tolerância algo bom, mas só o objetivismo dá embasamento seguro a tal valor. Por que? Porque a tolerância não dependerá apenas do gosto individual ou do consenso social, e caso o indivíduo ou sociedade sejam intolerantes, pior para eles, pois estarão errados moralmente. É melhor abandonar a ideia de que o certo e o errado dependem, como palavra final, do indivíduo ou da sociedade, concluir Shafer-Landau.

 
"Se você acredita que todos são detentores do direito ao respeito, a certa parcela de liberdade pessoal, e a um conjunto básico de direitos humanos, então seria melhor você abandonar a ideia de que os indivíduos ou sociedades detêm a palavra final na ética. O objetivismo pode confiantemente sustentar essas proteções morais centrais. O ceticismo não pode". (p. 33)

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Cap. 8 – Arbitrariedade

O ceticismo garante que a moralidade não tem embasamento e se assenta em fundamentos arbitrários (= que não são sustentados suficientemente por boas razõe). Como já vimos, para o niilismo nada é exatamente correto ou bom moralmente, pois tais adjetivos não são como outros adjetivos reais (vulcânico, líquido, angular etc.), são conceitos para crenças humanas (não se deve matar é algo arbitrário neste sentido de não ser algo real, mas irreal).

Já o Subjetivismo e o Relativismo dão algum espaço para obrigações morais, mas tais obrigações variam de pessoa para pessoa ou de sociedade para sociedade, pois o que é certo ou errado é como a cor favorita de alguém, ou seja, em essência, é algo arbitrário, e isto, para Shafer-Landau, dá licença mesmo aos mais terríveis tipos de comportamento, já que são os gostos e desgostos de cada um (ou de cada sociedade) que embasam a moral.

Para o relativismo os gostos dos indivíduos são avaliados por um padrão acima deles, mas tal padrão é a sabedoria cultural que prevalece em dada sociedade, ou o consenso social, e não há base para avaliar e criticar tal coisa. Qualquer que seja tal consenso, ele estará certo, o que significa, isto é o que dá o embasamento, e isto é algo para o qual não se precisa apresentar boas razões independentes.

O Objetivismo elimina a arbitrariedade reivindicando que tanto os gostos individuais quanto os consensos sociais básicos devem passar pelo escrutínio racional, em especial, que os padrões convencionais podem ser falsos ou verdadeiros segundo razões que não se reduzem ao gosto individual ou consenso social que os endossa. Por exemplo, tome o ódio aos homossexuais, a homofobia. Há quem odeia a homossexualidade simplesmente porque odeia, porque é seu gosto. Há quem o faça porque sua cultura sempre reforçou tal sentimento, e isto torna seu ódio correto. Mas ambas as coisas para o objetivismo estão sujeitas à avaliação de que tal atitude pode ser realmente errada, independente dos gostos e desgostos. A tradição não tem papel importante como o tem no Subjetivismo e no Relativismo. O mesmo para a discriminação das mulheres que aceitam papéis subordinados: isso pode ser apenas sinal mais de uma boa doutrinação e manipulação feita pelos homens do que de aceitação por parte delas.

Assim, enquanto para o Niilista não há boas razões independentes para se adotar certa ação, e para o Subjetivista e o Relativista as boas razões são aquilo que os seres humanos endossam, para o Objetivista “a melhor razão para se adotar um padrão é sua verdade”, e verdade é algo que não depende da opinião, mas algo que serve para julgarmos a opinião.

Logo, é possível escapar da arbitrariedade apenas se o Objetivismo ético for verdadeiro.

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1 - Tente defender o ceticismo defendendo o ponto principal do objetivista sem abandonar a posição cética.
2 - Tente atacar o objetivismo atacando-o do mesmo modo que ele ataca o cético.
3 - Conseguiu? O que resultou disto, em sua opinião? Há outros pontos a apresentar?

                                                               

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                                                                       PARTE B
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Taxonomia das teorias éticas
(Hare, R. “Taxonomia”. Ética. São Paulo, Martins Fontes, 2003, pp. 71-94)

3.1 Uma teoria ética consiste no estudo dos conceitos utilizados em nossa linguagem moral, diferentemente de uma teoria moral, que inclui necessariamente as concepções substantivas dos autores sobre o certo e errado, o que sua neutralidade e sua logicidade.
3.2 Como na botânica, A principal divisão: Descritivismo (D) e Não-Descritivismo (ñ-D) D (que lembra a clássica divisão entre cognitivistas e não-cognitivistas; realistas e não-realistas, objetivistas e subjetivistas, mas é mais exata, pois ñ-D podem ser cognitivistas).
3.3 D entende que juízos morais adquirem significado como sentenças descritivas, ou seja, inteiramente através de suas condições de verdade, ou, as condições sob as quais eles se tornam verdadeiros, se tornam o caso. Mas há atos de fala, como as “imperações”, que não possuem condições de verdade.
 
3.4 O ñ-D nega que as condições de verdade sejam tudo o que se precisa, além da sintática, para dar significado aos enunciados morais, ou que a soma de sintática com condições de verdade seja toda a história sobre isto, pois a sintática dos termos de valor tem um elemento especial (emotivo, prescritivo). Isso torna possível que divergências possam er compreendidas pelos dois lados, e ao mesmo tempo, que uma contradição entre as duas pode ocorrer, de modo que sustentar que ambas as posições que divergem entre si são verdadeiras é cometer um erro lógico.
3.5 Assim, as condições de verdade não são neutras, e utilizá-las como parte do significado dos conceitos morais é viciar a disputa entre pessoas ou culturas que divergem, ou podem divergir, racionalmente. Nos enunciados descritivos, alterar as condições de verdade é alterar seu significado totalmente.
3.6 A famosa distinção entre “cognitivistas” e “não-cognitivistas” é enganosa, pois a questão principal não é se os enunciados são verdadeiros ou falsos, mas se a argumentação está bem ou mal conduzida racionalmente, ou, se podemos pensar racionalmente em questões morais.
3.7 Se uma frase é descritiva, como “o céu é azul”, não poderemos concordar sobre o estado do céu e sobre o uso das palavras e, ainda assim, dizermos coisas diferentes, entrarmos em contradição; mas, se a frase é avaliativa, podemos. Podemos concordar exatamente sobre o que se faz e sobre como as palavras que usamos possuem significado, e, ainda assim, nos contradizermos ao sustentar predicados valorativos diferentes para a mesma situação.
 
3.8 Objeta-se que há muitas expressões nas quais não podemos separar os dois elementos (bondoso; eutanásia; ser humano; assassinato; traição etc). Porém, os dois elementos podem ser separados já que toda palavra valorativa se relaciona com significados descritivos e ao mesmo tempo pode ser separada deles em sua função primária.                                                         

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Recapitulação: LEIA ATENTAMENTE O TEXTO ABAIXO (1.1 - 2.3) E TENTE DIZER COM SUAS PALAVRAS E COMPREENSÃO O QUE VOCÊ ENTENDEU

1.1. A diferença fundamental entre teorias éticas descritivistas e não-descritivistas se dá em termos de significado descritivo “suficiente”, para as primeiras, insuficiente, para as segundas, para elucidar todo o significado dos termos valorativos. (cf. p. 91, sobre os cinco aspectos linguísticos).

1.2. A diferença sugere dois tipos de racionalismos éticos, descritivista e não-descritivista. Naturalismo e Intuicionista são formas do primeiro tipo. (Alguns acham que é a única forma! Isso seria o caso porque aceitar o elemento extra – o aspecto 5 anterior – ou qualquer natureza não-descritiva para os termos de valor nos levaria necessariamente a perder a objetividade – nos levaria ao subjetivismo: cada um aprova o que bem entender – e a lógica – não haveria lógica fora de frases com sentido descritivo e forma indicativa, que pudessem receber valor de verdade). (cf. a taxonomia de David Miller, imagem A). Hare contesta este parecer e mesmo o tipo de taxonomia de Miller, pois não-descritivistas não recusam o significado descritivo e o substituem totalmente pelo valorativo. (cf. H 2003, 3.6: cognitivismo X não-cognitivismo não é uma boa opção interpretativa)

1.3.O Não-descritivismo também tem um discurso sobre a verdade, almeja a objetividade, e se diferencia do subjetivismo (para o qual “x é bom” equivaleria a “aprovamos X”, e “aprovamos” equivaleria a ter esse sentimento e relatá-lo descritivamente). (cf. H 2003: 3.6: sobre verdade e moral; e p. 135, último parágrafo, sobre contradição entre enunciados morais). O subjetivismo elimina a contradição (dois opositores morais dizem coisas diferentes e que são ambas verdadeiras), assim como, segundo Hare, o próprio naturalismo, que, ao reduzir valor a fatos, e definir naturalisticamente (descritivamente) o valor (o “bom”), também elimina, pois haveria significados totalmente distintos entre os opositores, e ambos estariam corretos, o que torna o relativismo algo necessário.

2.1. A interpretação descritivista de um enunciado moral aparentemente indicativo (“x é errado”) entende que ele é uma descrição da realidade moral como outras frases descritivas: é uma crença sobre o mundo, que pode ser verdadeira ou falsa (correspondente aos fatos do mundo), e algumas são realmente verdadeiras. Frases no indicativo e que podem ser verdadeiras explicam o uso do argumento na moral (por exemplo, a conclusão sobre a “a tortura é errada”, provindo de “ações que desumanizam pessoas são erradas” e “a tortura é uma ação que desumaniza pessoas”, tem sentido lógico por que as propriedades morais (como “errado”) são propriedades das ações/pessoas/situações e são só isso em termos de racionalidade possível: tratar tais fatos com as definições apropriadas é a tarefa essencial da filosofia, e isso daria ao silogismo seu sentido cognitivo.

2.2. A interpretação descritivista naturalista para tais definições básicas busca retirar dos fatos a que se refere o juízo, o valor (seja descrevendo uma coextensão entre os fatos não morais e as propriedades morais, seja reduzindo os valores aos fatos referentes), mantendo a mera descritividade/factualidade para obter credenciais empíricas/observáveis nos argumentos. Porém, vimos na aula passada, e no decorrer do curso até aqui (sobre a Linguagem da Moral) que isso tem problemas: toda definição assim é logicamente falaciosa ou falsa. (Se bom é definido como “prazeroso”, dizer que “x é bom” equivaleria a dizer que “x é prazeroso”; mas isso equivaleria a dizer que “a ação prazerosa é prazerosa”, quando quiséssemos chamá-la de boa. Como sempre se poderia sem contradição perguntar se algo prazeroso é realmente bom, o que não é o caso para a definição de triângulo ou de vermelho, então definições assim de bom são equivocadas ou falaciosas). (cf. o “argumento da questão em aberto”, no início dos textos “Moral Realism” e “Moral Non-Naturalism”). Outros problemas são a desvinculação de definições assim, da motivação para agir, e o relativismo como consequência. Daí se buscar outra interpretação da propriedade valorativa que não em termos descritivistas (o não-descritivismo, por exemplo, o emotivismo de Stenvenson, ou o prescritivismo universal de Hare, ou o quase-realismo de Blackburn, ou o expressivismo da norma de Gibbard), ou que não em termos descritivistas naturalistas (o não-naturalismo ou intuicionismo).

2.3. A interpretação descritivista intuicionista: as definições tem de ter propriedades morais em seu definiens, e não apenas propriedades naturais. Tais propriedades são sui generis e autogarantidas pela experiência subjetiva (intuição).
 

SOBRE O INTUICIONISMO


[5.1] O Intuicionismo (I) é um tipo especial de descritivismo (D), mas ao contrário do Naturalismo (N), não é um tipo neutro (fatos naturais são neutros entre discordantes, mas fatos morais não). Por isso é comum focalizar, na análise, a faculdade de intuição especial.

[5.2] Supondo a existência de tal faculdade, como poderíamos comprová-la? Um dos melhores caminhos seria a existência de acordos e consensos, encontrados entre as culturas, ou entre as pessoas dentro delas, acordos em que há intuição comum. Porém, haveria ainda dois problemas: aqueles casos da discordância moral; outra forma de interpretarmos a concordância e a discordância.

[5.3] Mesmo a hipótese de que há um tipo de inatismo moral ou lingüístico não ameniza o problema. Esta estrutura inata poderia ser somente genérica (válida para casos gerais) ou somente formal (que não diga respeito aos conteúdos, mas só à forma). Culturas diferentes possuem alguns conteúdos morais diferentes, e que o recurso a uma percepção simples e direta do certo/errado se torna problemática ou inadequada como explicação de ambas. E temos explicações alternativas para a concordância real, por exemplo, a prescritivista.

[5.4] Assim, o I conduz a um tipo de relativismo [essencial], como o naturalismo. Apelar assim para intuições, mesmo que para nossas intuições qualificadas (intuições de pessoas bem educadas ou bem ponderadas), não evita consistentemente o problema do desacordo moral: quem será escolhido ou tido como bem educado e bem ponderado? O I leva a um tipo de relativismo já que as intuições estão ligadas intrinsecamente a nossa educação, nossa criação, ou são expressão de nossa formação cultural, e, mesmo se são corretas realmente, não podem eliminar, com tal apelo, aquele que discorda, desde que ele alegue outras intuições, pois essas outras intuições possuem as mesmas credenciais e até poderiam ser melhores. Note-se que isso, porém, é bem improvável que ocorra com alguns conteúdos morais, como a reprovação do assassinato (da mentira, do roubo, da desonestidade e da crueldade, ao menos em situações comuns que envolvem estes conteúdos nas sociedades humanas conhecidas). Porém, podem ser outras as razões para isto, outras que a existência de intuições morais e de uma capacidade intuitiva especial. Por fim, o I não se compatibiliza bem com a lógica da linguagem comum, com nossas capacidades críticas e reflexivas, e supõe uma metafísica extravagante (um mundo com estranhos fatos morais sui generis).

[5.5] S (Subjetivismo) é a teoria em que juízos morais são vistos como forma de se reportar ou descrever os sentimentos de aprovação ou desaprovação que se têm, daí as diferenças ou desacordos serem explicados razoavelmente bem, como fatos psicológicos diferentes. Porém, neste caso, os desacordos de ação são anulados, ou evitados, enquanto prescrições, pois dizer que se “deve fazer x” equivaleria a descrever que se tem um sentimento em favor de X, e isso não contradiz a informação de que outra pessoa tenha um sentimento contrário. O argumento do desacordo entrará aqui mostrando que o S impede que as pessoas falhem ou errem em seus juízos sobre o que é certo ou errado (elas sempre estarão certas); e o S impede que se use o raciocínio para corrigirmos nossos pontos de vista.

[5.6] N, I e S caem todos no relativismo (R), por razões semelhantes: excluírem o elemento prescritivo dos juízos morais em favor de condições de verdade fixas, naturais ou morais; manterem o desacordo prático nas mesmas bases iniciais (bases fechadas): a verdade dependeria exclusivamente dos fatos, mas o nosso problema era tomar uma decisão ou encontrar uma recomendação, mesmo que com base nos fatos, algo, na sua plenitude, impossibilitado pelo descritivismo. Já no S a verdade depende do estado psicológico do falante, e isto a reduz ao fato de que o falante possui aquele estado, mas nada diz sobre a verdade do conteúdo do enunciado moral propriamente.

[5.7] I e S têm a mesma natureza e são faces do mesmo raciocínio. Ora isso é um problema para o I. Ele quer ser objetivo, e (a) a intuição indica o que é certo em si mesmo; mas (b) ela é uma experiência subjetiva que visa resolver um desacordo entre diferenças de experiência! Se (a) procede, então a simples experiência já prova que ela está certa e não pode haver espaço para desacordo; mas por causa de (b), a simples experiência seria autogarantia da objetividade, o que nos deixa com diferentes experiências subjetivas como o único recurso para tratar nossos desacordos. E poderíamos estar enganados sobre o que pensamos estar certo unicamente de acordo com nossa intuição.

[5.8] O I é, logicamente, um tipo de particularismo moral (dada sua diferença do N: as propriedades morais não dependem dos fatos naturais e são como que propriedades especiais de cada caso). Mas sua melhor expressão teórica deveria ser universalista [U] (que é diferente do P, mas não da especificação; específico é diferente de geral; generalização).

[5.9] Conclusões: "se" Descritivismo, "então" Relativismo; para evitarmos o Relativismo, precisamos de uma teoria (e de uma racionalidade) não-descritivista. Por exemplo, o Prescritivismo Universal de Kant (e Hare); ou no Emotivismo de Stevenson; [ou no quase-realismo de Blackburn; ou no Expressivismo da Norma¸ de Gibbard, para citar quatro exemplos de filosofias não descrtivistas que porém não se pretendem nem subjetivistas nem relativistas].



 

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