domingo, 7 de outubro de 2012

A exigência do respeito pelas pessoas e a bioética do ato de matar


Hand-Out para o capítulo 3 de McMahan , "Killing", The Ethics of Killing.

Por: Maria Bernadete Jeha Araújo (Doutorando em Ciências da Saúde, UFU)

Item 3.2- A exigência do respeito pelas pessoas

McMahan inicia falando que se a tese de igualdade do erro estiver correta ( todos os atos de matar pessoas são igualmente errados) , seria um argumento fatal para a abordagem do interesse temporalizado, desde que as pessoas manifestassem diferenças em relação ao interesse em continuar vivendo.  Mas se o interesse de cada pessoa em continuar vivendo fosse igual ( o que ele acha um absurdo) as duas teorias seriam compatíveis.

Para defender a hipótese de um interesse temporalizado com a mesma força entre pessoas ele alega que esta força é função das relações de unidade prudencial e do valor da vida.  A relação de unidade prudencial entre a pessoa agora e ela mesma no futuro varia muito pouco, geralmente apenas quando há queda da cognição.  O valor da vida que ele teria caso vivesse obedece um principio do igualitarismo liberal, de que as vidas de  todas as pessoas tem o mesmo valor. Através destas variáveis poderia se concluir que todas as pessoas teriam o mesmo interesse temporalizado em continuar vivendo

Apesar do dito acima, o autor defende a seguir que a teoria que todas as vidas tem o mesmo valor levando portanto ao mesmo interesse temporalizado, representa um equívoco.  Para justificar usa dois conceitos. O primeiro , chamado de “valor de uma vida”, fala que este é determinado pela dignidade dos seus conteúdos , pelo que ela vale para a pessoa que a vive.   O segundo, denominado “dignidade do individuo”,  atribui valor ou dignidade ao sujeito que a vive e não ao seu conteúdo. Este último conceito é mais compatível com a idéia de que todas as pessoas teriam o mesmo valor.

Ainda segundo o conceito de “dignidade do individuo”,  o autor questiona se o que há de ruim na morte é proporcional a dignidade da vítima. Se todas as pessoas tivessem sempre uma dignidade positiva, a morte sempre teria que ser considerada ruim, o que na opinião do autor não é verdadeiro. Portanto o que há de ruim na morte está mais relacionado com os conteúdos da vida futura  de uma pessoa.  E o valor destes conteúdo variam de pessoa a pessoa.  Assim nem todas as mortes são igualmente ruins. Como a força do interesse temporalizado em continuar vivendo varia de acordo com o quão ruim a morte seria para aquela pessoa , ele não pode ser igual entre as pessoas , tornando se incompatível com o senso comum de que todo ato de matar é igualmente errado.

Já o que há de errado em matar não se relaciona com o interesse temporalizado em continuar vivendo ou  com o grau do dano que a vitima sofreria ao morrer, mas sim de acordo com a dignidade da própria vitima.  Isto é chamado de abordagem do valor intrínseco.Como cada pessoa é um ser dotado de dignidade e merece respeito , matar seria um crime contra a exigência de respeito às pessoas e à dignidade delas. Mas o que seria esta dignidade? Seriam propriedades que diferenciam uma pessoa de um animal. McMahan alega que estas são capacidades psicológicas. E a perda destas capacidades levariam a perda do status de pessoa.  Em relação ao respeito ele afirma que a pessoa não o conquista por suas realizações, que ele é atribuído pelo fato de ser uma pessoa. Portanto se ele não é conquistado pelos atos . ele também não pode ser perdido pela mesma razão.  Não é porque as pessoas são más ou fazem algo mau , ela perdem a dignidade ou o direito ao respeito. O autor frisa que embora as capacidade psicológicas sejam a base do respeito, estas condições são atribuídas às pessoas e não as capacidades.  

Como as pessoas tem sua dignidade baseada nas capacidades psicológicas ( cognitivas e emocionais), a abordagem do valor intrínseco  justifica que o ato de matar pessoas é mais grave do que o de matar animais, tendo em vista que estes teriam formas rudimentares destas capacidades ou não as teriam.  Por isso o ato de matar animais seria menos condenável moralmente. Este escalonamento também se aplica a animais com capacidades psicológicas superiores e inferiores. Mas os indivíduos com maior dignidade tendem também a ter vidas com maior valor e a sofrer maiores danos com a morte do aqueles com menor dignidade. Nesta situação a abordagem do valor intrínseco coincide com a abordagem do interesse temporalizado. A abordagem do valor intrínseco aceita que o número de vitimas afeta a medida em que o ato de matar está errado.

Objeções a visão da abordagem do valor intrínseco –

1-      Erro que há em matar varia de acordo comm a dignidade da vitima, ignorando o grau de dano infligido. Por ex: dois cães com as mesmas capacidades psicológicas, sendo um mais velho e outro mais jovem.  Esta visão encontra problemas no conceito de dignidade extraído de Kant, que diz que dignidade é algo absoluto, que não admite graus e restrito as pessoas.  Para contornar esta objeção o autor propõe uma linha divisória ao longo da escala que mede as capacidades psicológicas.que distinguem as pessoas de animais. O erro em matar seres acima deste limite ( pessoas)  deve ser explicado pela exigência de respeito e dignidade , portanto pela abordagem do valor intrínseco. Já para os seres que estão abaixo do limite ( animais)  a explicação e pela abordagem do interesse temporalizado. Ao uso destas duas visões dá se o nome de abordagem dos dois níveis.

2-      Mesmo entre as pessoas há diferenças de capacidades psicológicas, uns tem mais que outros. Se a dignidade de alguém é baseada em suas capacidades psicológicas e se elas podem ser diferentes entre as pessoas, pode se inferir que algumas pessoas tem dignidade maior que as outras. Seria mais errado matar pessoas com capacidades superiores do que com capacidades inferiores , o que vai contra a tese da igualdade do erro.  Para contrapor esta objeção o autor fala que em algum lugar ao longo da escala que mede as capacidades psicológicas haveria um ponto ( patamar) em que a dignidade individual deixaria de variar de acordo com as variações destas capacidades. Todos acima deste patamar teriam a mesma dignidade. Este ponto é chamado de limite da igualdade de dignidade.  Este limite coincide com um ponto em que os indivíduos tem dignidade suficiente para merecer respeito e é chamado de limite de respeito. Estes dois limites são referidos conjuntamente como “o limite”. Pode se estipular que uma pessoa seria um individuo com capacidades psicológicas situadas acima do limite. A abordagem em dois níveis mostra que o ato de matar pessoas é errado porque fere a exigência de respeito. E que todas as formas de matar seriam erradas, independente do tamanho dos danos que a vitima sofre.

McMahan questiona se esta teoria de abordagem em dois níveis é plausível ou se seria apenas um artifício para salvar a idéia igualitária. Ele afirma que a dignidade é uma propriedade de base geral, fundamentada com capacidades psicológicas variáveis, assim como a competencia baseada em capacidades cognitivas variáveis. O autor reconhece problemas em justificar a dignidade e a competencia como propriedade de base geral. Argumenta que não há um paralelo evidente entre as duas noções: competencia e dignidade. O significado moral da competencia é instrumental,  diferente do da dignidade. A competencia é necessária para obter um determinado objetivo : uma decisão racional, a dignidade não é boa ou útil para outro fim.  Conclui dizendo que a intuição de que todos os atos de matar pessoas são igualmente errados é muito forte e amplamente aceita e que para além de certo limite toda a dignidade seria igual , configurando uma propriedade de base geral.

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