Hand-Out para o capítulo 3 de McMahan , "Killing", The Ethics of Killing.
Por: Maria Bernadete Jeha Araújo (Doutorando em Ciências da Saúde, UFU)
Item 3.2- A exigência
do respeito pelas pessoas
McMahan inicia
falando que se a tese de igualdade do erro estiver correta ( todos os atos de
matar pessoas são igualmente errados) , seria um argumento fatal para a abordagem
do interesse temporalizado, desde que as pessoas manifestassem diferenças em
relação ao interesse em continuar vivendo. Mas se o interesse de cada pessoa em continuar
vivendo fosse igual ( o que ele acha um absurdo) as duas teorias seriam
compatíveis.
Para defender a
hipótese de um interesse temporalizado com a mesma força entre pessoas ele
alega que esta força é função das relações de unidade prudencial e do valor da
vida. A relação de unidade prudencial
entre a pessoa agora e ela mesma no futuro varia muito pouco, geralmente apenas
quando há queda da cognição. O valor da
vida que ele teria caso vivesse obedece um principio do igualitarismo liberal,
de que as vidas de todas as pessoas tem
o mesmo valor. Através destas variáveis poderia se concluir que todas as
pessoas teriam o mesmo interesse temporalizado em continuar vivendo
Apesar do dito acima,
o autor defende a seguir que a teoria que todas as vidas tem o mesmo valor
levando portanto ao mesmo interesse temporalizado, representa um equívoco. Para justificar usa dois conceitos. O
primeiro , chamado de “valor de uma
vida”, fala que este é determinado pela dignidade dos seus conteúdos , pelo
que ela vale para a pessoa que a vive.
O segundo, denominado “dignidade
do individuo”, atribui valor ou
dignidade ao sujeito que a vive e não ao seu conteúdo. Este último conceito é
mais compatível com a idéia de que todas as pessoas teriam o mesmo valor.
Ainda segundo o
conceito de “dignidade do individuo”, o
autor questiona se o que há de ruim na morte é proporcional a dignidade da
vítima. Se todas as pessoas tivessem sempre uma dignidade positiva, a morte
sempre teria que ser considerada ruim, o que na opinião do autor não é
verdadeiro. Portanto o que há de ruim na
morte está mais relacionado com os conteúdos da vida futura de uma pessoa. E o valor destes conteúdo variam de pessoa a
pessoa. Assim nem todas as mortes são
igualmente ruins. Como a força do interesse temporalizado em continuar vivendo
varia de acordo com o quão ruim a morte seria para aquela pessoa , ele não pode
ser igual entre as pessoas , tornando se incompatível com o senso comum de que
todo ato de matar é igualmente errado.
Já o que há de errado em matar não se relaciona com
o interesse temporalizado em continuar vivendo ou com o grau do dano que a vitima sofreria ao
morrer, mas sim de acordo com a dignidade da própria vitima. Isto é chamado de abordagem do valor intrínseco.Como cada pessoa é um ser dotado de
dignidade e merece respeito , matar seria um crime contra a exigência de
respeito às pessoas e à dignidade delas. Mas o que seria esta dignidade? Seriam
propriedades que diferenciam uma pessoa de um animal. McMahan alega que estas
são capacidades psicológicas. E a perda destas capacidades levariam a perda do
status de pessoa. Em relação ao respeito
ele afirma que a pessoa não o conquista por suas realizações, que ele é atribuído
pelo fato de ser uma pessoa. Portanto se ele não é conquistado pelos atos . ele
também não pode ser perdido pela mesma razão.
Não é porque as pessoas são más ou fazem algo mau , ela perdem a
dignidade ou o direito ao respeito. O autor frisa que embora as capacidade psicológicas
sejam a base do respeito, estas condições são atribuídas às pessoas e não as
capacidades.
Como as pessoas tem
sua dignidade baseada nas capacidades psicológicas ( cognitivas e emocionais),
a abordagem do valor intrínseco
justifica que o ato de matar pessoas é mais grave do que o de matar
animais, tendo em vista que estes teriam formas rudimentares destas capacidades
ou não as teriam. Por isso o ato de
matar animais seria menos condenável moralmente. Este escalonamento também se
aplica a animais com capacidades psicológicas superiores e inferiores. Mas os
indivíduos com maior dignidade tendem também a ter vidas com maior valor e a
sofrer maiores danos com a morte do aqueles com menor dignidade. Nesta situação
a abordagem do valor intrínseco coincide com a abordagem do interesse
temporalizado. A abordagem do valor intrínseco aceita que o número de vitimas
afeta a medida em que o ato de matar está errado.
Objeções a visão da
abordagem do valor intrínseco –
1-
Erro que
há em matar varia de acordo comm a dignidade da vitima, ignorando o grau de
dano infligido. Por ex: dois cães com as mesmas capacidades psicológicas, sendo
um mais velho e outro mais jovem. Esta
visão encontra problemas no conceito de dignidade extraído de Kant, que diz que
dignidade é algo absoluto, que não admite graus e restrito as pessoas. Para contornar esta objeção o autor propõe uma
linha divisória ao longo da escala que mede as capacidades psicológicas.que
distinguem as pessoas de animais. O erro em matar seres acima deste limite (
pessoas) deve ser explicado pela
exigência de respeito e dignidade , portanto pela abordagem do valor
intrínseco. Já para os seres que estão abaixo do limite ( animais) a explicação e pela abordagem do interesse
temporalizado. Ao uso destas duas visões dá se o nome de abordagem dos dois níveis.
2-
Mesmo
entre as pessoas há diferenças de capacidades psicológicas, uns tem mais que
outros. Se a dignidade de alguém é baseada em suas capacidades psicológicas e
se elas podem ser diferentes entre as pessoas, pode se inferir que algumas
pessoas tem dignidade maior que as outras. Seria mais errado matar pessoas com
capacidades superiores do que com capacidades inferiores , o que vai contra a
tese da igualdade do erro. Para
contrapor esta objeção o autor fala que em algum lugar ao longo da escala que
mede as capacidades psicológicas haveria um ponto ( patamar) em que a dignidade
individual deixaria de variar de acordo com as variações destas capacidades.
Todos acima deste patamar teriam a mesma dignidade. Este ponto é chamado de limite da igualdade de dignidade. Este limite coincide com um ponto em que os
indivíduos tem dignidade suficiente para merecer respeito e é chamado de limite
de respeito. Estes dois limites são referidos conjuntamente como “o limite”. Pode se estipular que uma
pessoa seria um individuo com capacidades psicológicas situadas acima do
limite. A abordagem em dois níveis mostra que o ato de matar pessoas é errado
porque fere a exigência de respeito. E que todas as formas de matar seriam
erradas, independente do tamanho dos danos que a vitima sofre.
McMahan questiona se
esta teoria de abordagem em dois níveis é plausível ou se seria apenas um
artifício para salvar a idéia igualitária. Ele afirma que a dignidade é uma
propriedade de base geral, fundamentada com capacidades psicológicas variáveis,
assim como a competencia baseada em capacidades cognitivas variáveis. O autor
reconhece problemas em justificar a dignidade e a competencia como propriedade
de base geral. Argumenta que não há um paralelo evidente entre as duas noções:
competencia e dignidade. O significado moral da competencia é
instrumental, diferente do da dignidade.
A competencia é necessária para obter um determinado objetivo : uma decisão
racional, a dignidade não é boa ou útil para outro fim. Conclui dizendo que a intuição de que todos os
atos de matar pessoas são igualmente errados é muito forte e amplamente aceita
e que para além de certo limite toda a dignidade seria igual , configurando uma
propriedade de base geral.
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