Aula de Ética 1 - Breve Curso de Metaética
Prof. Alcino Eduardo Bonella (UFU/CNPq)
Cap. 16 - De
onde vem os padrões morais, afinal?
Se nós não produzimos os padrões morais,
e nem Deus, de onde eles vieram então? Do ET de Varginha talvez? Ou será que
ninguém os fez, porque nem toda norma precisa de um autor?
Mas se não há um autor, então as normas
morais são eternas? (Já vejo o sorriso do professor Zé
Maria, ou ouço sua risada...) Ora, se ninguém fez uma norma, então elas não
vieram á existência em um dado tempo, e se assim é, elas sempre existiram. Se
sempre existiram, existiram antes do ser humano aparecer. Isso soa estranho.
Argumento:
1) Uma moral sem autor é uma moral eterna;
2) Ora, uma moral
eterna é algo estranho e implausível;
3) Logo, uma moral sem autor é algo estranho e implausível.
Há duas respostas a este argumento: negar a primeira
premissa ou negar a segunda.
i - A moral pode não ter nenhum autor e ainda assim
não ser eterna, por exemplo, há leis objetivas que não eternas e nem foram
criadas por nós, como leis científicas regulando o trabalho do DNA, da
fotossíntese, e da sedimentação. Antes dos humanos havia cromossomos, plantas,
ou rochas e então existiam leis destes tipos. E não são eternas, mas vieram
assim que tais coisas vieram também. Simples. Não precisam ser eternas porque
são objetivas. Precisamos de um argumento adicional para dizer que as leis
morais são diferentes.
ii – Mas podemos dizer que as leis morais são
eternas mesmo se se aplicam a seres que não são eternos, por exemplo,
distinguindo princípios morais e fatos morai, os primeiros são cláusulas
condicionais (Se x, então y), os segundos são exemplos ou instanciações dos
primeiros. Não há fatos morais antes ao menos do aparecimento dos seres
humanos, mas há princípios morais objetivos, e que podem ser eternos.
“(...) se você tortura outro por prazer, então isto
é errado. Isto é verdade mesmo se não existam pessoas ao redor para torturar
alguém. E continuará sendo verdade depois que os seres humanos desaparecerem.
Todos os princípios morais mais profundos são assim” (p. 87)
Como 2 + 2 são sempre quatro. Ninguém inventou esta
regra, ainda que a linguagem que a expressa foi inventada. Há um bilhões de
anos atrás, se dois átomos se agrupavam com outros dois, quatro átomos
resultavam desta combinação, embora ninguém havia para nomear o fato.
“Verdades morais vem de princípios morais, os quais
são eles mesmos verdadeiros se corretamente descrevem a natureza do mundo
moral”. (p. 90).
* * * * *
1 - Explique a primeira resposta ao argumento da eternidade das leis morais. (em casa)
2 - De onde vem os padrões morais?
Cap. 17 - Valores em um
mundo científico
A botânica tem fatos sobre plantas, a geologia sobre
rochas. Na botânica e na geologia, a evidência é ofertada por coisas
tridimensionais e físicas (naturais). Podemos ver, cheirar, tocar, ouvir e
saborear. Mas não saboreamos ou ouvimos etc. o certo e o errado.
Fatos morais, se existirem, são estranhos: a realidade objetiva parece incluir moléculas,
estrelas, peixes, nuvens e partículas atômicas, entre outras coisas, mas quando
queremos falar de uma realidade moral objetiva, falamos de fatos naturais e não
temos fatos morais diferenciados.
Pode ser que em nossa ontologia devamos suprimir
fatos morais então. É o que sugere uma interpretação da chamada navalha de Ockam ou economia
metodológica (não multiplicar entidades e teorias se temos versões mais
econômicas que fazem o mesmo trabalho explicativo).
Uma aplicação cética disto: a coisa em questão é
requerida para ajudar a explicar o que vemos no nosso mundo? Se não, a cortemos
de nossa visão de mundo, e isso parece ser o caso dos fatos morais que o
objetivista supõe existir, assim como fazemos do mesmo modo com forças
sobrenaturais depois de conseguirmos uma explicação natural ou física.
A
ontologia do objetívismo ético é menos econômica do que a cética: além de
prótons elétrons, moléculas, gases e líquidos, também temos, no mínimo, o certo
e o errado. Navalha nisso, pede o cético.
Parece que princípios morais e fatos morais ou não
servem para explicar nada, e então “navalha neles”, ou servem, mas então, não explicam fatos naturais (o argumento a partir da navalha está errado).
Mas admitir fatos morais explicados pelos
princípios morais é uma forma de petição de princípio, que assume que existem
tais fatos, que precisavam ser demonstrados!
A solução: rejeitar que algo só existe se existe uma
necessidade explicativa que ele preenche. Fatos morais não explicam nada e
ainda podem existir, como fatos epistêmicos, que são normativos e não
descritivos.
(a) Há implicações absurdas se aceitamos aplicar a navalha de
Ockan: não só fatos morais tem de ser cortados, mas muito mais, como balas e
martelos usados em um assassinato.
(b) Há fatos normativos, como os epistêmicos
(se há muita evidência para crer em x, deve-se crer em x; se crer em x implica
a verdade de y, deve-se crer em y): eles,como os morais não descrevem ou
explicam como as pessoas agem, mas como as pessoas deve agir.
(c) limites da
ciência e do critério da confirmação: ele próprio é filosófico e não algo
confirmável, logo, a ciência tem limites e não deve nos impor nada com a
navalha empírica apenas.
“Devem existir algumas verdades
normativas, que não são o tipo de coisa que fornece qualquer explicação, e, ao
invés dito, nos guiam sobre como devemos agir ao fazer coisas. Se não existem
tais verdades, então a navalha de Ockan, que é um princípio normativo, não
poderia também ser verdadeiro.” (p. 140).
* * * * * * * *
1 - A qual das quatro abordagens (do breve curso de metaética) o argumento da navalha se liga mais direta e apropriadamente? Por que? (em casa)
2 - A qual das quatro teorias discutidas por Hare se aplica a posição de Shafer-Landau? Por que? (em casa)
* * * *
Cap. 18:
Conhecimento Moral I: Quatro Argumentos céticos
Argumento da incerteza. Sem
certeza, não há conhecimento moral. Mas sem certeza não há outros tipos de
conhecimento, e nós não exigimos isso em outras áreas do conhecimento. Ou não
há tais conhecimentos também, ou é possível conhecimento moral.
Argumento do desacordo epistêmico. Tal desacordo impede que se conheça a verdade moral: duas pessoas
bem esclarecidas e racionais ainda divergem moralmente, e não podem saber quem
possui a verdade. Mas se houvesse mesmo tal equipolência entre as posições,
ambas teriam sua razão de ser, e poderiam duvidar apenas da do oponente e não
de ambas ou de si mesmo, desafiando o outro a realmente ter uma boa posição. Se
ambos estão certo e tem de suspender o juízo, então também tem de suspender o
juízo sobre outros tipos de crenças que também sofrem de desacordo epistêmico,
que são todas elas! Se isso é exagero, então o conhecimento moral é possível.
Argumento da perspectiva {cada ponto de vista é visto de um
ponto}. Para conhecer as causas de um acidente
recorremos à pessoa que tinha a melhor visão do que ocorreu. Mas não há o ponto de
vista do universo ou de lugar nenhum na ética. Logo, não há conhecimento ético.
Contra tal argumento se pode tentar defender que há tal perspectiva, ou,
alternativamente, que realmente não existe, mas que o conhecimento ético não
depende dele.
(i) Existe tal perspectiva melhor: por exemplo, em alguma variação da regra de ouro das principais religiões e
filosofias morais: se você, colocando-se no lugar do outro, aceita a ação, ela
é certa, se você a rejeita, ela é errada (mas isso falha porque você pode
aceitar para si o que o outro de fato não aceita para ele). Outra perspectiva é
a do observador ideal: sem falsas crenças, bem informado, sem interesses, e
imparcial entre os interesses. Porém, (a) parece a muitos algo impossível; (b)
ou não é o melhor ponto de vista moral, se comparado com um apaixonado,
engajado, e com preferências especiais; (c) ele é o melhor, mas mesmo assim
haverá desacordo entre observadores ideais (!).
(ii) Assuma que não se tem tal
perspectiva. O que se conclui disto? Não que não podemos ter conhecimento
moral. Mesmo sem tal perspectiva ideal há ainda várias perspectivas melhores ou
piores, mesmo que imperfeitamente, como em outras áreas do conhecimento
(científicas) e como na filosofia. A falta de perspectiva ideal é um
conhecimento filosófico que possui sua perspectiva: não há a melhor perspectiva
para se provar isso mas o cético continua com seu ceticismo.
Argumento da evidência inadequada. A evidência moral é de um tipo mais complicado ou inferior à
evidência em outras áreas (não é tangível, quantificável). Se parece com uma
recitação das próprias opiniões morais.
A evidência empírica por si não resolve
nenhuma questão ética, que permanece em aberto. Mas a ética é um ramo da
filosofia, e os métodos possíveis para se fazer filosofia são eles próprios
fruto de exploração filosófica (novo desacordo!) Mas, (i) apesar de
controverso, um método que contenha lógica e teste factual, além de crítica por
parte de outros e obrigação de apresentar argumentos evitam a caricatura da
filosofia como área da mera intuição de cada um. (ii) Quem duvida da verdade
moral tem uma informação filosófica. Se não há conhecimento filosófico, ou não
há verdade filosófica, ou não há crença filosófica justificada, mas há as duas
coisas, logo, há conhecimento filosófico possível, e conhecimento moral
possível. (Se a evidência empírica é necessária para o conhecimento, é uma tese
filosófica para a qual não há tal evidência, e então, ela teria de ser
recusada!).
“Se o conhecimento moral requer certeza,
consenso difundido, uma única e melhor perspectiva, ou evidência empírica
determinante para seu apoio, então não temos conhecimento moral. Mas podemos
ter conhecimento sem certeza, sem consenso, sem uma perspectiva ideal e sem
suporte empírico determinante. Podemos então ter conhecimento moral”. (p. 117)
* * ** * *
1 – Reconstrua os passos da resposta do
autor ao argumento da perspectiva. (em casa)
2 – Por que a evidência empírica não
soluciona problemas morais como o do aborto? Por que é possível conhecimento
moral se ele é sempre um tipo de aplicação a priori de métodos filosóficos que
não pode ser certificado empiricamente?
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